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A Culpalização do Usuário pela Própria Falha do Sistema

  • Foto do escritor: Ronilson Pelegrine
    Ronilson Pelegrine
  • 2 de set.
  • 3 min de leitura

Quantas vezes você, advogado(a), já se viu encurralado(a) por um sistema que falhou, mas quem acabou levando a culpa foi você ou seu cliente?

Esta não é uma pergunta retórica. É a realidade crua de muitos escritórios que navegam diariamente no labirinto da justiça digital. Um caso recente no nosso escritório é a prova viva de um fenômeno perturbador: a culpalização do usuário.


O Caso Concreto: A Audiência que Nunca Aconteceu (Por Culpa de Quem?)

Imagine a cena: o calendário marcado, a agenda liberada, o cliente avisado. Chega o dia da audiência por videoconferência sem nenhuma informação nos autos do processo. Pontualmente, acessamos o balcão virtual do tribunal, geramos um protocolo de atendimento (a nossa prova de que estávamos lá) e... nada.


O link para a sala de audiência? Simplesmente não existia na nossa frente. Não foi enviado por e-mail, não apareceu com destaque no processo eletrônico. Um verdadeiro beco sem saída digital.

Horas depois, eis que a temida ata de audiência é publicada nos autos. O veredito do sistema: "Audiência prejudicada pela ausência injustificada das partes". A cereja do bolo? A alegação de que "o autor não informou nos autos contato de telefone com WhatsApp" – uma informação que, pasmem, estava perfeitamente juntada na petição inicial.

O sistema falhou em sua obrigação mais básica: comunicar e fornecer acesso. E, na lógica perversa do labirinto, a culpa foi magicamente transferida para nós, os usuários.


O Princípio Esquecido: A Cooperação não é Opção, é Dever!

O Código de Processo Civil (art. 6º) é claro: vigora o princípio da cooperação. Isso significa que juízes, servidores, partes e advogados devem trabalhar em conjunto para que o processo seja eficiente e justo.

Não se trata de bonança. É uma obrigação de conduta. O tribunal tem o dever de disponibilizar os meios de acesso de forma clara e tempestiva. Quando ele mesmo não o faz, pratica uma grave violação a este princípio, transformando o processo – que deveria ser um caminho para a solução – em uma armadilha onde a parte é punida pela falha alheia.


A Lição que Fica: Como se Defender do Labirinto

Documente TUDO: No mundo digital, protocolos e prints de tela são sua única testemunha. No caso acima, o número do protocolo de acesso ao balcão virtual foi nossa salvação. O que é um absurdo.

Impugne Imediatamente: Não aceite passivamente registros incorretos em atas. Impugne de forma fundamentada, exigindo a retificação dos fatos. Mostre que a "versão do sistema" está errada.

Use a Linguagem Correta: Não é apenas um "erro". Enquadre a falha como uma violação ao princípio da cooperação (art. 6º, CPC), o acesso a justiça e ao devido processo legal. Isso dá peso jurídico à sua argumentação e fala a língua do juiz.

Cobre Providências: Ao impugnar, não peça apenas para marcar outra data. Peça que o juízo determine o envio obrigatório do link por e-mail antes das próximas audiências. Transforme seu incômodo em uma solução processual para que outros não passem pela mesma situação.


A justiça digital veio para ficar e tem enormes vantagens. Mas não podemos permitir que a impessoalidade do sistema se torne uma falta de responsabilidade e que o ônus pelos seus erros recaiam sempre sobre os ombros de quem depende dele para ter acesso à justiça.


A nossa luta diária é para que o processo seja de fato um instrumento democrático e colaborativo, e não um labirinto para dificultar o acesso.


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2 comentários


AECIO DE CASTRO BARBOSA
AECIO DE CASTRO BARBOSA
22 de out.

Culpar o usuário da justiça pelas falhas do sistema tem um propósito bem claro: extinguir o processo. Cada processo extinto é um processo a mais contabilizado. Porém, esquecem que processo não se trata de números mas sim pessoas, de vidas, muitas vezes frágeis que recorrem ao Poder Judiciário pois não têm mais outra saída. Aí quando se deparam com um sistema que não funciona consequentemente surge o descrédito na justiça. É o que temos visto.

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Claudevon Martins
Claudevon Martins
03 de set.

A culpa sempre recaindo sobre o cidadão, o administrado, o jurisdicionado, a parte mais vulnerável perante o Estado, enfim. Precisa de se humanizar a forma de interpretar os dados inseridos pelo jurisdicionado no sistema, pois a tecnologia deve servir ao ser humano, e não o contrário.

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