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Crítica à Padronização de Decisões Judiciais e à Falta de Fundamentação Concreta

  • Foto do escritor: Ronilson Pelegrine
    Ronilson Pelegrine
  • 29 de abr.
  • 4 min de leitura

O Poder Judiciário, em tese, deveria ser o espaço por excelência da análise criteriosa, do debate jurídico aprofundado e da aplicação do direito com base em argumentos sólidos. No entanto, o que se observa com frequência é a proliferação de decisões padronizadas, genéricas e desprovidas de fundamentação específica, que negam direitos sem uma análise minuciosa do caso concreto. Para tanto cito um trecho de uma decisão recente:


"Em que pesem as alegações da parte autora, não restou demonstrada a relevância de seus argumentos a justificar a probabilidade do direito, já que os documentos apresentados na inicial, em sede de cognição sumária, não comprovam os requisitos necessários para a concessão da medida pretendida, sendo necessária a instauração do contraditório para esclarecimento dos fatos. A questão envolvendo as partes é controvertida e o conjunto probatório carreado aos autos ainda é frágil, sendo temerária a concessão da tutela de urgência neste momento processual. Diante o exposto, indefiro, por ora, a concessão da tutela de urgência, ressalvando a análise da mesma caso venham a ser carreadas novas provas aos autos que possam subsidiar tal pedido."


O trecho transcrito acima é um exemplo emblemático desse fenômeno.


A linguagem vaga e a ausência de critérios objetivos


A decisão utiliza termos como "não restou demonstrada a relevância""documentos não comprovam os requisitos necessários" e "conjunto probatório frágil", sem apontar, contudo, quais exatamente são esses requisitos legais não atendidos ou em que aspectos a prova seria insuficiente. Essa vagueza permite que o juiz decida com base em impressões subjetivas, sem a devida transparência, violando o princípio da motivação das decisões (Art. 93, IX, CF/88).


A exigência de contraditório prévio como obstáculo artificial


A justificativa de que é necessária a "instauração do contraditório para esclarecimento dos fatos" ignora que a tutela de urgência (antecipação de tutela ou liminar) existe justamente para situações em que a demora do processo ordinário pode causar dano irreparável. O Código de Processo Civil (Art. 300) prevê a concessão de medidas liminares com base em fumus boni iuris (aparência do bom direito) e periculum in mora (risco da demora). Se o juiz considera que esses requisitos não estão preenchidos, deveria explicar por quê, e não simplesmente negar com base em uma fórmula pronta.


A postergação indefinida de direitos


Ao afirmar que a análise poderá ser revista "caso venham a ser carreadas novas provas", a decisão transfere para a parte um ônus processual desproporcional, sem indicar quais provas seriam necessárias. Isso cria um ciclo vicioso em que o jurisdicionado fica refém de um sistema que exige algo sem dizer o quê, tornando o acesso à justiça um labirinto burocrático.


O perigo da jurisprudência automática


Decisões como essa, quando recorrentes, consolidam uma cultura de "jurisprudência de resistência", em que magistrados negam pedidos urgentes por comodismo ou excessivo formalismo, sem enfrentar o mérito. O resultado é a perpetuação de injustiças, especialmente contra partes hipossuficientes que dependem de uma resposta judicial ágil.


Impacto Negativo no Próprio Judiciário e o Benefício a Grandes Litigantes


Além de violarem princípios básicos do devido processo legal, decisões padronizadas e pouco fundamentadas como essa prejudicam a própria eficiência do Judiciário. Ao negar tutelas de urgência de forma genérica, os juízes forçam as partes a protelarem a solução do conflito, incentivando a interposição de novos recursos e ajuizamento de ações complementares. Isso gera sobrecarga processual, indo na contramão das metas de celeridade e redução de litígios que o sistema judiciário tanto prega.

Grandes litigantes (empresas, bancos, concessionárias, etc.) são os principais beneficiados por essa postura judicial passiva. Enquanto a parte mais vulnerável fica presa em um emaranhado de exigências indefinidas, os grandes litigantes com maior poder econômico e estrutura jurídica conseguem alongar o processo, mantendo situações de vantagem às custas da morosidade. O resultado? Mais processos, mais demora e mais descrédito na Justiça.


Se o Judiciário realmente deseja reduzir seu acervo e garantir efetividade, precisa abandonar decisões automáticas e passar a analisar cada pedido com a profundidade necessária. Do contrário, continuaremos em um ciclo vicioso: juízes negam liminares por falta de "prova suficiente" sem dizer qual prova falta - partes ajuízam mais ações para tentar preencher lacunas inexistentes - o número de processos aumenta - a Justiça fica ainda mais lenta.


A verdadeira eficiência processual não se alcança com negativas genéricas, mas com decisões claras, fundamentadas e que resolvam o conflito no momento adequado.


A justiça não pode ser um sistema de respostas prontas e fundamentação ausente. Decisões genéricas como a analisada ferem a segurança jurídica e a confiança no Judiciário. É urgente que a advocacia exija motivações concretas, e que os magistrados voltem a orgulhar de decidirem de forma motivada e objetiva, sob pena de transformarmos o processo em um mero ritual de negativas automáticas, em prejuízo da efetividade da tutela jurisdicional.


Existe esperança nos bons juízes. É importante destacar que existem magistrados comprometidos com uma jurisdição ágil, justa e fundamentada – juízes que analisam cada caso com sensibilidade e rigor técnico, evitando fórmulas prontas e buscando, de fato, assegurar direitos sem sacrificar o devido processo legal. Esses profissionais demonstram que é perfeitamente possível conciliar celeridade com aprofundamento analítico, provando que a justiça pode (e deve) ser feita com seriedade e efetividade. Lamentavelmente, porém, decisões genéricas e protelatórias ainda predominam em muitos casos, desequilibrando a balança processual e reforçando a percepção de um Judiciário distante das reais necessidades das partes. O desafio, portanto, é fazer com que as exceções positivas se tornem a regra – para o bem da credibilidade da Justiça e da sociedade que dela depende.


Imagem criada por IA, representando à Justiça em sofrimento
Imagem criada por IA, representando à Justiça em sofrimento

 
 
 

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