Ilícito Lucrativo: a nova cara do retrocesso na Justiça.
- Ronilson Pelegrine
- 4 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de jun.
Quando lesar o consumidor compensa e defender direitos virou alvo de crítica.
Tempos estranhos
Vivemos em Rondônia um tempo estranho: o tempo em que o certo se tornou arriscado e o errado, altamente compensador. Desde 2023, decisões judiciais em série — algumas em efeito dominó após falas do presidente da Azul Linhas Aéreas — vêm restringindo preocupantemente o acesso à justiça, sobretudo dos mais vulneráveis.
Não por acaso, a Azul celebrou publicamente "os esforços" do Judiciário rondoniense para "reduzir a judicialização" — um gesto que, nas palavras de Igor Britto, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, em Audiência Pública na Câmara Federal, 11/06/2024, entrou para a história como a primeira chantagem empresarial explícita à Justiça: condicionar a manutenção de voos à redução do número de ações.
Desjudicialização forçada e ficção institucional
A justificativa? Desafogar o Judiciário de processos movidos contra “grandes litigantes”, empresas mi ou bilionárias que praticam ilegalidades em larga escala e, por essa razão, sobrecarregam os juízes de trabalho. A consequência? A porta da justiça começa a se fechar justamente para quem mais precisa passar por ela.
Com todo respeito às “boas intenções”, o que vemos é um processo forçado de desjudicialização – evitar o acesso à justiça, estimulado por agentes que ignoram a coletividade e atuam para empresas bilionárias — como concessionárias de energia, bancos e companhias aéreas. Tudo isso com ares de modernidade e racionalização da justiça. Pura ficção institucional.
A lógica do “ilícito lucrativo” venceu. Vale a pena lesar o rondoniense. Compensa financeiramente.
As hipocrisias dos discursos em torno do “dano moral”
A luta da advocacia consumerista nunca teve como foco o dano moral apenas. É pelo direito de o cidadão ser ouvido. É por dignidade. É pelo acesso à justiça. É por uma série de retrocessos, todos de amplo conhecimento de toda a advocacia e daqueles que deveriam encabeçar esse grito de socorro da forma adequada.
Assim, reduzir a defesa da cidadania à discussão sobre o dano moral é o tipo de falácia que alimenta o retrocesso. Passa-se a ideia de que “a advocacia está atrás do dano moral”, tenta-se colar na profissão uma pecha mercantilista — a mesma que empresas como a Azul usaram para desmoralizar publicamente advogados e advogadas de Rondônia em rede nacional.
Cidadãos invisíveis
Quando um beneficiário de um salário-mínimo do INSS precisa de amparo do Poder Judiciário, porque o banco o abordou com marketing agressivo, omitiu informações relevantes sobre o serviço “empurrado”, induzindo-o a empréstimos com juros extorsivos e passando a “raspar” sua conta corrente cada vez mais ao final de cada mês, deixando-o sem dinheiro para colocar comida na sua geladeira, o Judiciário tem o dever constitucional de escutá-lo e dar resposta adequada. Não se trata de técnica processual. Trata-se de ética.
Hannah Arendt, pensadora crítica do autoritarismo e da desumanização estatal, nos ensinou que o sujeito só se torna humano quando é visto, ouvido e pode agir. Silenciar esse sujeito é devolvê-lo à invisibilidade.
Prática Predatória dos bancos e a “uniformização de entendimento”.
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) fará a uniformização da jurisprudência quanto à “configuração de erro substancial na contratação de cartão de crédito consignado em substituição ao empréstimo consignado convencional” e suas repercussões jurídicas. A advocacia está alerta.
O recém instaurado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – Tema 15 vinculará todos os juízes do Estado. Ou seja, encerrará a discussão sobre o tema em Rondônia. Será definido, entre outros pontos, se há confusão gerada ao consumidor pelo marketing agressivo e falta de transparência e de boa-fé das instituições bancárias quanto a própria natureza do “produto”, juros envolvidos e demais cláusulas. Os bancos fazem que o cidadão, geralmente idoso ou de baixa renda, acredite estar contratando um empréstimo, quando na verdade se trata de um cartão de crédito atrelado à Reserva de Margem Consignável.
Essa ação desumana, praticada de forma PREDATÓRIA, acaba com o salário ou benefício social dos cidadãos e coloca a cada dia mais pessoas em situação de desespero financeiro, aniquilando sua dignidade e condenando-os ao superendividamento, à exclusão do mercado e à invisibilidade social.
A ilusão do acordo como justiça
Firmar convênios com empresas como a Energisa — historicamente marcada por práticas ilegais em massa, resistência a acordos e persistência em recorrer até as últimas instâncias — não parece compatível com o interesse público. A experiência tem mostrado que, nesses acordos institucionais, como o chamado “Projeto Iluminados” entre TJRO e Energisa, a empresa comparece com todo seu aparato jurídico. Já o consumidor, naturalmente hipossuficiente, entra sem advogado, sem informação clara e sem plena noção do que está abrindo mão. O resultado? Um selo oficial da Justiça sobre renúncias que ele – cidadão - sequer entende ter feito.
Advocacia independente e resistência
Foi diante desse cenário de silencioso esvaziamento dos direitos consumeristas que surgiu o movimento Por Justiça na Justiça — articulado por advogados independentes, especialmente da seara consumerista, inconformados com a postura omissa da atual liderança da própria instituição diante do enfraquecimento progressivo do acesso à Justiça. Um movimento que rechaça a narrativa reducionista do “dano moral”, porque sabe — e sempre alertou — que a pauta é muito mais profunda: trata-se da defesa da gratuidade judiciária, da inversão do ônus da prova, da preservação de direitos historicamente reconhecidos e, sobretudo, da imagem da advocacia — sistematicamente atacada por grandes grupos econômicos assessorados por operadores de uma desjudicialização que somente exclui e nada resolve.
Como já apontava Friedrich Nietzsche, a moral, muitas vezes, serve não para libertar, mas para controlar. Aquilo que é vendido como virtude — como dever, como o “certo a se fazer” — pode ser apenas uma forma mais sofisticada de manter o outro calado. E poucas formas de dominação são tão perversas quanto fazer o cidadão acreditar que está errado por insistir em lutar por seus próprios direitos. Porque não há dominação mais sutil do que aquela que convence o oprimido de que sua resistência é um exagero. E quando as instituições silenciam quem mais precisa ser ouvido, elas não apenas negam o direito, elas negam o sujeito.
Modus Operandi da Indústria de Lesar Consumidores
Desde o início de minha atuação na advocacia em 2010 presencio o massacre diário sofrido por consumidores humildes, principalmente idosos, vítimas de abusos praticados pelos “grandes litigantes”, que lucram com o ilícito e entopem o Judiciário de trabalho. O que mudou de lá para cá? O modus operandi é o mesmo. Só trocaram os nomes das empresas. A expressão “indústria de lesar consumidores”, popularizada em artigos pelo advogado Gabriel Tomasete — referência nacional em mobilizações sociais e ações civis públicas consumeristas —, segue atual. Essa engrenagem não desapareceu — apenas se tornou mais refinada e aliada a articulações que desafiam os limites da legalidade.
Advocacia Incômoda
Mas se é verdade que o cenário atual favorece os grandes, também é verdade que a resistência se organiza. A advocacia que honra o artigo 133 da Constituição seguirá sendo incômoda. Seguiremos denunciando acordos ilegítimos, revelando as estatísticas escondidas sob a promessa de eficiência.
Indignação, ação e apelo
A advocacia não pode assistir inerte ao desmonte institucional da justiça social. Como ensinou Sobral Pinto, “a advocacia não é profissão para covardes”. É tempo de coragem, de postura e de voz ativa.
Aos juízes rondonienses e àqueles que hoje ocupam posições de decisão no Poder Judiciário de Rondônia, lanço um apelo: não deixem que a justiça seja resumida à eficiência gerencial. Justiça não é gestão de fila. Justiça é ouvir o cidadão, é reequilibrar a balança, é enxergar o humano por trás do número de processos.
Não venham dizer que “acesso demais” gera crise. A verdadeira crise é vivida por quem chega ao Judiciário e encontra uma porta estreita, quase trancada por dentro — alguém que já perdeu quase tudo, menos a esperança de ser ouvido com dignidade.
Não estamos pedindo privilégio. Estamos exigindo justiça.




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